sábado, 15 de outubro de 2011

Coisas que ainda me lembro

A lembrança, talvez uma das poucas, que tenho da minha infância é brincando com a minha mãe de casinha sob uma parreira que tinha na porta da área de serviço de nossa casa no Setor Aeroporto. O quintal tinha inúmeras árvores frutíferas plantadas pelo meu pai, uma grama extensa e verde de um lado do quintal muito bem cuidado e do outro, plantas ornamentais, uma horta farta e mais árvores frutíferas.. Lá em casa sempre tinha verduras fresquinhas para a salada e frutas prontas para virarem suco ou doce.
A casa era muito humilde, com chão de tacos, forro de madeira e algumas rachaduras nas paredes. Aquilo me incomodava muito. Achava que a casa poderia cair. Exagero de criança. Não tínhamos luxo, mas nada faltava. Meus pais eram muito presentes e amigos. Sempre diziam que a herança que deixariam para minha irmã e eu seria a educação, bem maior. Acertaram, mas deixaram muito mais que isso. Deixaram o exemplo, o respeito ao próximo independente de qualquer diferença e o amor.
Mesmo quando tinha pouco dinheiro - a pior invenção do ser humano -, meu pai trazia em seus bolsos balinhas ou um sonho de valsa quando chegava do trabalho. O jeito que me olhava, com uma admiração incrível até o fim, sempre me completou. Márcia e eu sempre fomos motivo de orgulho para nossos pais.
Voltando a parreira... Ela dava as uvas mais azedas que já provei em minha vida. Eram pequenas e roxas, mas azedas. Foi sob a parreira que uma brincadeira inocente de casinha ficou em minha mente até os dias de hoje. Não sei como começou ou como acabou. Isso a mente já apagou. Mas lembro de minha mãe fingindo que batia a porta da minha casa e me chamando de comadre. "Comadre, posso entrar?". Eu respondi que sim e o resto daquele dia não me lembro.
Sei que a última lembrança que tenho de minha mãe já foi em seu leito de morte, no apartamento dela no prédio construído onde era nossa casa. Foi lá que ela me disse que realmente iria morrer e eu, chorando, bradei que sem ela não poderia viver. Ficaria sem sentido. Pedi que lutasse, que não partisse. Ela se foi meses depois. O chão se abriu debaixo de mim e não conseguia ficar em pé.
Meu pai, apesar de todo seu sofrimento, me amparou nos anos seguintes, fazendo o papel de pai, mãe e melhor amigo, um confidente. Consegui me reerguer. Quase consegui me tornar independente, mas veio a doença dele e em três meses, também morreu. Nunca em minha vida senti uma dor tão forte. Latejante. Parecia que meu peito, de tão vazio, iria explodir. Desta vez, chão e céu se abriram ao mesmo tempo. Sinto-me vagando bestamente pelo espaço, sem rumo, sem sentido, sem ninguém para me apoiar desde então.
A solidão só não é maior por causa de meus gatos e da rotina no jornal, onde converso com amigos e colegas. Em casa, sou apenas uma pessoa útil que resolve os problemas de todo mundo. Só. Precisam de mim para coisas práticas. Mas isso não me faz sofrer e acho que faz parte da vida mesmo. A única coisa que queria hoje, um dia solitário de folga, depois de ouvir os dvds de rock que mais gosto, era de ter meus pais comigo novamente. Entrar em um universo paralelo onde minha mãe e eu brincávamos de comadres sob a parreira no momento em que meu pai, com balinhas ou um sonho de valsa, chegava da "rede" após um longo dia de trabalho. Não é fácil envelhecer. Acho que real significado dessa palavra é acumular perdas - emocionais, familiares, físicas...

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